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Responsabilidade social

Uma chance para recomeçar

Por Artur Dullius

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Quantas vezes já escutamos a frase "ajudar alguém sem olhar a quem"? Ela, de forma ampla, reflete a um espírito acolhedor e inclusivo. Mas, diferentemente do que imaginamos, na prática não costuma ser tão utilizada, até mesmo porque muitos de nós temos o hábito de ajudar as pessoas apenas quando elas pedem. Se pararmos para pensar, às vezes temos dificuldade para pedir algum tipo de auxílio. Isso talvez possa ser motivado pela ideia de não atrapalhar o outro ou até mesmo quando a pessoa mais próxima naquele momento é desconhecida.

Mal sabemos, no entanto, que um simples gesto pode ser capaz de transformar nosso dia e, mais do que isso, até a vida de quem for beneficiado. Nas próximas linhas contamos histórias de vida que ganharam outros contornos após o auxílio da Univates. Casos deficientes de esperanças e que hoje servem de inspiração e motivação para quem busca um recomeço.

Uma longa viagem

Já estava escrito em um bilhete: o dia 17 de março de 2017 seria marcado pelo reencontro de Venel Charles e sua esposa, Marie Paris. Esse, é claro, não é um simples bilhete, e sim uma passagem aérea que, após cinco anos, uniria novamente o casal de haitianos. Dos sete anos de relacionamento entre eles, apenas dois foram semelhantes como a maioria dos casais: de proximidade física.

Desde a sua vinda ao Brasil, em 2012, as oito horas diárias de trabalho de Venel na empresa Minuano eram dedicadas a este sonho: ter a esposa novamente ao seu lado. Foi de lá que ele conseguiu os mais de R$ 3 mil necessários para comprar a passagem que traria Marie ao Brasil. Enquanto isso, em solo haitiano, sua esposa também realizava os trâmites necessários para a vinda ao país, como a venda da casa na qual morava, até porque a passagem seria apenas de ida.

Artur Dullius

No entanto, a viagem de Porto Príncipe até Porto Alegre, que costuma demorar em torno de oito horas, levou um mês. Ao tentar embarcar, Marie foi informada que a companhia aérea da qual tinha o bilhete havia fechado e que não existiria mais possibilidade de voo. No Brasil, o haitiano recebeu a informação por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. "Fiquei muito triste com a situação, não sabia o que fazer", conta Venel.

Ainda sem o domínio total da língua portuguesa, Venel se dirigiu até a agência onde havia adquirido a passagem e foi informado que receberia apenas metade do dinheiro de volta, e só depois de 60 dias. "Isso não podia acontecer, o dinheiro estava contado, eu não podia perder um centavo", lembra. O destino foi então a Polícia Civil, onde o haitiano recebeu a indicação para buscar o Serviço de Assistência Jurídica da Univates (Sajur).

Coordenadora do Sajur, Alice Schmidt lembra que a situação precisava de um desfecho imediato, pois Marie havia vendido sua casa e passava os dias em uma pousada no Haiti. "Iniciar um processo jurídico não seria a melhor opção pois o desfecho não seria imediato. Convocamos então os responsáveis pela agência para uma reunião", conta.

Após inéditos 10 dias de conversa entre a agência e o Sajur, o caso foi solucionado e Venel teve o dinheiro de volta em suas mãos. "Quando vi que teria o dinheiro, fiquei muito contente. Sem o auxílio do Sajur não iria conseguir, pois a dificuldade em me comunicar e o pouco conhecimento sobre a legislação seriam barreiras para mim", garante o haitiano.

Agora, feliz ao lado da esposa, ele declara que a luta segue pela vinda dos filhos. "Temos quatro filhos no Haiti e não vou sossegar até ter todos aqui comigo. Vamos trazendo aos poucos, de um em um, mas chegamos lá", diz Venel.

"O homem nasceu para amar"

“Quando a saudade aparecer
Nunca deixe de ligar
Basta apenas me querer
Nesta hora despertar

Estarei sempre contigo
Serei teu porto de abrigo
O teu príncipe encantado

Vivemos o amor presente
E seremos num futuro ardente
O casal mais apaixonado”

É bem provável que esse poema ainda seja desconhecido. Ele foi escrito por Luis Carlos Mörs, um precoce escritor que viu na junção das palavras uma forma de demonstrar seus gestos de amor. Após ser vítima de um Acidente Vascular Encefálico (AVE), ele passou por diversas dificuldades e se distanciou de um dos principais pilares da vida: a família.

Artur Dullius

O fato ocorreu há mais de 14 anos, época em que tinha 30 anos e uma vida comum com a então esposa e os dois filhos. No entanto, o AVE e as restrições físicas resultantes se juntaram aos transtornos psicológicos da mudança repentina em sua vida, levando a essa ruptura com a família.

Sete anos mais tarde, decidido a mudar de vida, Mörs encontrou na Univates o apoio de que precisava para reverter a situação. Depois de quatro anos de fisioterapia, começou a frequentar a Clínica Universitária Regional de Educação e Saúde (Cures), onde passou a receber também apoio psicológico. Foi lá que o homem de fala tímida encontrou nas palavras de apoio expressadas pelos estudantes e profissionais uma inspiração para que o dom de escrever poesias despertasse nele. "Eles colocavam as palavras na minha cabeça e eu escrevia", relata.

Hoje já são três cadernos completos de poesias. De suas produções, cinco já fazem parte de um livro. Mas, para que isso fosse possível, mais um desafio era proposto a ele. Devido às restrições de movimento na mão direita, Luis teve que aprender a escrever com a esquerda. No entanto, dentre as mais de 160 pessoas atendidas na clínica em 2016, o caso de Luis se destaca pela motivação e identificação com o local. "O melhor de tudo é poder conversar com as pessoas, e a Cures é o melhor lugar que tem para isso. Com minha família não tenho a liberdade de conversar o que eu converso aqui. Graças a isso, hoje sou um pouco mais aliviado, consigo conversar normalmente com as pessoas", afirma.

"O que quiser a gente consegue, é só ter força de vontade"

Hoje, aos 33 anos, André Flores praticamente toma conta das atividades da casa. Realiza da faxina até a preparação do almoço. Mas nem sempre foi assim. Aos 22 anos, o disparo de uma arma de fogo acabou atingindo-o nas costas e deixando-o paraplégico. "No início eu não conseguia fazer nada sem o auxílio de alguém. Tomava 14 remédios diários e tinha dificuldades até mesmo para respirar", lembra.

Em uma cadeira de rodas, o jovem se tornou dependente do apoio da família e dos amigos. A partir daí, necessidades básicas como levantar da cama e tomar banho não estavam ao seu alcance. A situação começou a apresentar outras perspectivas, um ano após a fatalidade, quando André passou a receber apoio do projeto Ações Interdisciplinares de Cuidado em Saúde da Univates.

Desde então, estudantes e professores da área da saúde realizam visitas periódicas a ele. Sem a necessidade de sair de casa, André passou a receber apoio multidisciplinar, com atendimentos de fisioterapia, psicologia e nutrição. Além dele, outras oito famílias e três instituições do bairro Santo Antônio são beneficiadas pelo projeto.

Com o passar dos anos, a evolução foi aparecendo e André não só teve de volta parte dos movimentos como também adquiriu total independência em suas ações. Agora, mais de 10 anos depois do ocorrido, ele garante não sentir mais os impactos de uma rotina limitada a uma cadeira de rodas. A vida, que antes era marcada pelos intermináveis dias na cama, é ocupada por brincadeiras com a família e até a possibilidade de dirigir um carro. "Tudo depende da vontade. O que quiser a gente consegue, é só ter força de vontade", diz.

Certamente o dia 2 de junho de 2006 jamais será apagado da memória de André. Entretanto, a felicidade estampada em seu rosto deixa claro que os atendimentos foram além de uma simples relação profissional. "Eu espero ansioso pela vinda dos estudantes e sinto falta quando não conseguem vir. Sinto-me honrado de ser atendido por esses futuros profissionais", explica.

Esta matéria faz parte da edição nº 5 da Revista Univates. Confira a versão digital aqui.

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